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O Violão e uma vida

O motivo pelo qual eu resolvi tocar o violão e fazer o curso de música da UNB é de conhecimento de quase todos os meus amigos.

Para reforçar para uns e contar pela primeira vez para outros, vou contar mais uma vez aqui. Quando eu tinha 14 anos, o que faz tempo, eu morava no Guará-DF. Era 1982, para ser exato. Ocorre que naquela época um padre jovem, chamado Padre Reinaldo, conhecido de todos da comunidade católica por ter nascido e se criado também no Guará, começou a dar aulas de flauta doce na igreja. Tinha um monte de gente da minha idade tocando, e meu sonho era aprender com ele e me juntar à turma da moda. Meu pai não estava em condições de me dar a flauta, apesar do baixo preço. Também isso não era prioridade dele.

 

Pedi a uma tia que me desse de presente, e ela prometeu que ia me dar no meu aniversário. Chegou meu aniversário e ela me deu um presente do qual não me lembro agora. No natal, os presentes estavam todos colocados na árvore de natal. Tinha um grande, mas não era de meu interesse. Na hora de entregar os presentes, minha tia veio com um embrulho do tamanho de uma flauta; fiquei esperando, mas ela entregou ao meu irmão. Ele abriu correndo e, adivinhe, era uma flauta doce. Esperando ganhar a flauta, fiquei decepcionado quando ela me entregou o maior presente da árvore. Abri, e era um violão. Bom, vocês podem pensar que eu fiquei feliz, mas a palavra certa era decepção. Ela deu minha flauta para meu irmão que nem queria tocar. Meu sonho de me unir à turma de flautistas da igreja tinha se desfeito em alguns minutos. Eu não chorei porque fiz muita força. 

 

Bom, quando tudo parecia perdido, meu avô, que ali estava, me pediu o violão para afinar. Fiquei surpreso, pois, apesar do estreito contato com meu avô, não sabia que ele tocava, e, aliás, nem que tinha violão. Ele afinou com uma destreza que eu só fui entender como destreza  muito mais tarde. Logo após, ele começou a tocar algumas músicas solo que eu jamais tinha ouvido, mesmo porque meu interesse por música só começou com a tal flauta. Seus dedos tremiam muito por causa da doença de Parkinson já avançada; atrapalhava demais, mas ainda era o suficiente para eu entender e gostar muito. Hoje sei que eram mazurcas, choros e outras formas musicais do tipo.

 

Eu juro que toda a minha vontade de tocar flauta fora embora. Potencializada pelo amor e admiração que eu já tinha pelo meu avô,  a vontade de tocar o instrumento nasceu naquele momento e me acompanha até hoje. Acabei estudando música na UNB, com o renomado professor Eustáquio Grilo, ganhei o segundo lugar no Concurso Villa Lobos do Conservatório Villa-Lobos de São Paulo e toquei para valer até 1994. Depois disso, resolvi trabalhar com informática, pois a música não prometeu muito e nunca promete em termos financeiros.  Para fazer o concurso, tive que perder algumas matérias do semestre e isso causou meu jubilamento faltando apenas 2 semestres para a conclusão do curso. Tendo feito todas as matérias práticas de violão e música de câmara, também não havia muito mais interesse. O professor Grilo e chefe do departamento à época tentaram de tudo, mas minha reintegração não aconteceu. Coisas da vida.

Até hoje, estudo quando é possível e, quando possível em termos de preparação técnica e quando o trabalho permite, até toco para alguns amigos. A questão de ter hiatos grandes entre marés de estudos infelizmente não permite que eu tenha a mesma performance dos velhos tempos, mas é extremamente prazeroso de qualquer forma.

 

Mas voltando ao meu avô, meus laços se estreitaram muito e aprendi muita coisa. Mais tarde eu estava mais preparado e com repertório mais clássico, isso porque o repertório dele, apesar de rebuscado, era formado de músicas mais populares de qualidade da época.

 

Ele era uma pessoa simples, muito agradável e muito feliz. Ninguém conseguia ficar sério ao seu lado. Ele nasceu em 1908 e, ao contrário de mim, se apaixonou pelo violão de forma espontânea., segundo ele, de forma instantânea. Pelo menos um irmão (Tio Zeno) e uma irmã (Tia Alcina) também tocavam, mas nada igual a ele.

 

 Todos sabemos que as cordas naquela época eram de aço ou tripa de carneiro. As cordas de nylon só surgiram depois da segunda-guerra. Apesar de tudo, seguindo a tendência de violonistas famosos como Dirlermando Reis, meu avô, até onde sei, tocou quase que a vida inteira com o aço,.

Meu avô faleceu em 1984, mas deixou a semente. Na verdade, ele me deu o gosto pelo instrumento, minha Tia Lija, me deu o meu primeiro violão, um Giannini Trovador, que me acompanhou por muitos anos. Meu Tio Zezinho bancou pelo menos 4 anos de estudo de violão clássico e piano no antigo Instituto de Música do Distrito Federal. Meu pai, mais tarde, me deu outro violão melhor. Tive apoio de minha mãe, meu pai e vários familiares. Minha mãe canta muito bem e 5 tias tocam também o violão em níveis diferentes.​ Mais tarde minha prima Cristina também se uniu ao grupos dos aficcionados em música. Casou depois com  Masaru, que além de ser uma pessoa maravilhosa, também toca violão. Vê-se que 

a música é uma constante que embala gerações da família de minha mãe. 

Hoje,  se não toco muito, me divirto com uma coleção invejável de instrumentos. Coisas paradoxais, se você toca, ganha pouco dinheiro e não pode comprar instrumentos notáveis. Se trabalha em algo mais lucrativo, pode comprar os instrumentos, mas dificilmene tem tempo para tocar. Coisas da vida. Hoje  tenho apoiado alguns eventos ou iniciativas através de partrocínio da minha empresa. Coisa pouca, mas legal. Ah, a tal flauta foi jogada de lado pelo meu irmão e nunca foi tocada. Eu nem sequer tentei! :-)

O que aprendi de tudo isso é que não é necessário ser um concertista ou um gênio da música para usufruir do prazer e da paixão que essa desperta. Em 1994 resolvi seguir outro rumo, mas sou livre para fazer da música como eu quiser. Claro, respeito sem limites e com gratidão àqueles que dedicam ou dedicaram toda sua vida à música. Termino com uma citação da Clarice Lispector que é mais ou menos assim: 

"Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amdora  e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele ​que tem uma obrigação consigo mesma, consigo mesmo de escrever, ou então com o outro, em relação ao outro. Agora, eu, faço questão de não ser uma profissional, para manter minha liberdade."

Essa citação icônica pode ser assistida aos 4:35 minutos da entrevisda constante do vídeo abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=ohHP1l2EVnU

Vovo_Zé_Tocando.jpeg
Raro registro - Vovô Zé (Zé da Rocinha)
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Captura_de_Tela_2018-08-05_às_17.21.35.p
Valsa que compus em homenagem ao meu avô e à minha cidade. 
Clique na imagem para fazer dowload de graça
Flyer VII festival bravio.jpg
Um dos melhores eventos que patrocinei Clique na na imagem para saber mais
 

2º Lugar no Concurso Tarde da Juventude Villa-Lobos 1993

Concurso Villa Lobos.jpg
Concurso Villa Lobos1.jpg
medalha.jpg
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© 2013 by Geraldo Couto

 

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